// . //  //  Como Os Varejistas Precisam Se Adaptar Às Mudanças Setoriais

Convidamos recentemente Luiz Elísio de Melo, CEO de Plurix (até setembro deste ano), que compartilhou a sua visão de mais de 37 anos em posições de liderança no varejo, passando por grupos como Lojas Americanas, Submarino, Lojas Renner, GPA e Hortifruti, varejista com foco em Perecíveis.

Você ficou quase 40 anos atuando no varejo, um setor de “alta intensidade”. O que atraiu você tanto?

O varejo no Brasil sempre foi muito dinâmico e envolve muita gente. Quem atua no setor tem que ter uma enorme paixão para ações rápidas, e gostar de pessoas para sobreviver a essas características do setor.

Sou formado e engenharia civil e iniciei a minha carreira no setor de construção civil. O processo de construção é mais demorado, principalmente no final de uma obra, quando inicia a fase de acabamento.

Quando comecei no varejo descobri ciclos rápidos, tomadas de decisões frequentes para resolver problemas diários, necessidade de adaptação rápida mesmo com planejamento bem feito. Me apaixonei por essa dinâmica do varejo, por essa adrenalina. Se olharmos o contexto histórico do Brasil, o ambiente sempre foi propício para esse dinamismo.

O que no Brasil propicia esse dinamismo?

Passamos por momentos únicos no país, principalmente em relação às mudanças de políticas econômicas. Nos anos 80, o Brasil viveu a chamada estagflação (estagnação/hiperinflação). A partir daí foram criados diversos planos econômicos para lidar com o ciclo inflacionário que havia se instalado no país. Tivemos o Plano Cruzado em 86 e o Plano Collor no início dos anos 90, que não foram bem-sucedidos.

Só a partir de 1994, com a implantação do Plano Real, que se criou condições estruturais de combate para o grave problema da hiperinflação e do descontrole fiscal do Estado brasileiro.

Qual a solução que encontrou para lidar com esse dinamismo e prosperar?

O varejo por ser um setor muito dinâmico, permite as empresas testarem. Por exemplo, quando criamos o conceito das lojas Leve (Hortifruti), no Rio de Janeiro, que são lojas de 100 a 150 metros quadrados e com sortimentos mais enxutos, fizemos efetivamente o contrário do que o mercado fez. Passamos a olhar para esse nicho de sortimento de FLV, e as lojas trouxeram um conceito que se tornou referência, priorizando as exposições de frutas, legumes e verduras frescas, além de oferecer serviços diferenciados em açougue e padaria. Além disso, passamos a oferecer um ambiente agradável e acolhedor. O varejo te permite testar, “entrar e sair” muito rapidamente para aprender e empreender.

Qual é a sua visão atual do varejo brasileiro em relação à maioria dos países desenvolvidos?

No Brasil, o varejo é muito desconcentrado ainda. Isso abre oportunidade para consolidação e é o que os fundos de investimento estão fazendo. Nos mercados regionais temos bons players que estão passando por processos sucessórios. Além disso, precisam de um aporte tecnológico e de capital para acelerar o crescimento com eficiência operacional e mais sinergia comercial.

Uma outra grande particularidade é a diferença de realidade regional. O Brasil é uma soma de “Brasis diferentes” que precisa cada vez mais, por exemplo, de adaptação regional e local no sortimento. Mais uma diferença: a classe média tem participação menor fora dos grandes centros urbanos.

Nessa direção da consolidação, quais são as tendências que você vê pela frente? Os clientes vão ter cada vez mais opções de compras, e são cada vez mais “infiéis”, “usando” os varejistas de forma diferente em momentos diferentes: seja na loja, no site ou por meio de intermediários de compras como os aplicativos de delivery iFood e Rappi. Vejo um cenário de maturação do mercado onde lojas híbridas, supermercados com atacarejos, ganham força e destaque em cidades médias, de 100 a 500 mil habitantes. Os supermercados premium tendem a crescer em cidades com 400 a 500 mil habitantes. E, por fim, as cidades com maiores adensamentos urbano e verticalização, vão presenciar um aumento nas aberturas de minimercados.

Penso que um dos desafios vai ser o controle dos custos, especialmente para formatos historicamente eficientes como o C&C (cash and carry) onde há uma tentação de adicionar mais sortimentos e serviços para casar os clientes finais do formato varejo. Dado o custo de receber dinheiro, numa indústria de baixa taxa de margem, os supermercados vão se tornar Fintech, seja para otimizar o custo de pagamento, como valorizar a base de cliente para criar um novo negócio de serviços financeiros.

Como as empresas podem se preparar?

O uso do Analytics com mais inteligência, eficiência e relevância fará com que o varejista conheça melhor os hábitos e desejos dos clientes, habilitando uma conexão única e realmente individualizada com eles. Talvez de forma mais básica, vejo uma necessidade de integração melhor e mais forte entre o digital e a área comercial da empresa, para que os dados sejam utilizados para melhorar as decisões comerciais, impactando as lojas.

“Os supermercados vão se tornar Fintech, seja para otimizar o custo de pagamento, como valorizar a base de cliente para criar um novo negócio de serviços financeiros”
Luiz Elísio de Melo, ex-CEO da Plurix

Voltando ao início da nossa discussão, os dados têm que ajudar a conhecer melhor os clientes e a adaptar a proposta de forma mais rápida, mais relevante e mais eficiente que a concorrência. Ou seja, inovar para combater a erosão natural da rentabilidade no varejo e manter um diferencial com os clientes cada vez mais informados, exigentes e voláteis.

Para finalizar, quais dicas que você daria para os atuais e futuros líderes do varejo brasileiro?

Mais do que nunca, “sentar” em cima do caixa, e não abrir mão das alavancas que impactam o caixa: gestão de estoque, dias de pagamentos etc.

Conhecer o seu cliente e entender que só a satisfação dele não é mais suficiente. Isso pode ser feito de forma simples ou até sofisticada. Entender os hábitos da “dona Maria” que tem preferência por determinados produtos e considerar essas escolhas do cliente na estratégia de sortimento. Tem que ganhar a preferência. Os KPIs chaves são o Share of Wallet além do NPS.

E, concluindo como iniciei, ter paixão pelas pessoas, pela diversidade de situações, não ter medo de mudanças e ficar sempre aberto para testar, aprender e empreender!

Guilherme Perrucci também contribuiu para este artigo.